WhatsApp

zona de conforto: eu gosto de você!

Dia desses viajava aqui pelo mundão das informações online quando li um título que me fez sentir absurdamente desconfortável. Dizia algo como a vida começa onde termina sua zona de conforto.

O texto, direcionado “aos que pensam e sonham grande, aos que são competentes e comprometidos com seus trabalhos”, conduzia o leitor a mergulhar nas possíveis vantagens de fugir ferozmente do território onde pudessem controlar os acontecimentos. Por preguiça, soberba ou medo, sugeria a observação da zona de conforto como desperdício de talento passível de acarretar prejuízos à saúde, ao intelecto e à dimensão espiritual.

Fechei a tela do computador, respirei fundo e parei pra pensar. Eu sei, você sabe, todo mundo sabe, trata-se de um tema polêmico e, ciente da crescente incapacidade de diálogo entre alguns grupos, ouso aqui hoje discorrer sobre meu sentimento em relação à tal afirmação.


Sou profissional autônoma, comprometidíssima com as diversas e concomitantes atividades que diariamente cercam meu trabalho. Tenho sonhos. Os gurus do empreendedorismo que me perdoem, mas ser produtivo 24hs/dia é sinônimo de saúde física e mental? Penso que não.


Imersos numa cultura de agitação, vivemos na roda viva onde a ordem é: produzir, produzir & produzir. Foguete não tem ré, dizem alguns. Numa profusão de informações, notícias têm atualização imediata, o whatsapp apita sem parar, os e-mails lotam a postal. Os dispositivos de conexão nos cercam 24 horas por dia, pressionando para estarmos disponíveis o tempo todo. Nem ouse não responder alguém em menos de meia hora – sabe-se lá o que dirão de você.


Tenho 52 anos, trabalho desde os 23 e por inúmeras vezes assumi posturas profissionais e pessoais inquietas, talvez pela imposição em fazer diferente do que eu mesma desejava, talvez por acreditar que a tal zona de conforto era um buraco negro que engoliria minha capacidade produtiva. Com 39 anos atravessei uma grande mudança profissional, ao migrar de burocráticas atividades jurídicas para o mundo manual/artesanal. Por bastante tempo me preparei técnica e emocionalmente pra encarar a decisão, e tinha total ciência de que, àquela época, precisava mesmo era sair da minha zona de desconforto – o lugar onde me encontrava. Naquele momento, sabia que a mudança seria uma importante escolha. E o foi!

Há algum tempo li aqui na VS um texto assinado por Alessandro Fernandes que tratava exatamente do tema que hoje aqui discorro; a zona de conforto. “Somos constantemente influenciados a nos comportar de forma homogênea, perseguindo conquistas materiais, profissionais e familiares, uma eterna corrida para uma fantasia criada nas últimas décadas. Daniele Thomaselli considera isso um comportamento de rebanho, fazer aquilo que todo mundo faz, buscar aquilo que todo mundo busca. Definir sucesso e realização a partir da ótica socialmente aceitável e reforçada leva a um adoecimento mental”, explicou. Para o autor, zona de conforto se tornou uma pedra no sapato na maioria das pessoas que passaram a se sentir incomodadas com seus modos de vida, ações e escolhas pessoais, profissionais e familiares.


Minhas sensações foram ao encontro de suas palavras. Ufa! Não estou sozinha no mundo de quem quer viver, trabalhar, se relacionar, dentre parâmetros que façam sentido a cada um de nós.


Na psicologia, a zona de conforto é uma série de ações, pensamentos e/ou comportamentos que alguém está acostumado a ter, que não lhe causam nenhum tipo de medo, ansiedade ou risco. Para mim, lugar de auto refúgio. Um porto seguro de sensações.


A pesquisadora de Estudos Culturais e Urbanos, Mariane Santana, recentemente escreveu a respeito: a zona de conforto é, na verdade, o lugar que deveríamos procurar. Um lugar onde exista segurança e acolhimento para se viver... e prosseguiu; que nossa vontade de sair dessa paralisia nos leve à produção do Bem Viver. Que possamos sonhar outros mundos, acolhedores, seguros, onde o conforto seja um presente, não uma ameaça.


Para mim, zona de conforto nada tem ver com letargia. É sensação de colo de mãe, abraço de amigo, bolo com leite condensado, livro no sofá, um sussurro no ouvido dizendo “respeita teu tempo”. Visite a sua, nem que seja esporadicamente.

 

Há de lhe fazer um bem danado!

 

Beijos meus!

 

coluna lugastal para portal Vida Simples - novembro 2023

Receba novidades